quarta-feira, 12 de maio de 2010

Alice no País das Maravilhas- O preço do sucesso

Cinéfilos que acompanharam a carreira de Tim Burton, acredito que vocês, assim como eu, tiveram uma bela de uma brochada quando assistiram Alice. A expectativa gigantesca e o resultado final culminaram num sentimento de insatisfação enorme, embora o filme possa ser enquadrado como bom (apenas bom). O que pode ter gerado isso foi a perda de certas características básicas de Burton, que, por causa da publicidade, teve que “idiotizar” o seu longa e tranformá-lo num blockbuster, pagando o famoso “preço do sucesso”.

 

O longa leva para as telas os personagens criados por Lewis Carrol numa espécie de continuação do clássico livro, porém com situações praticamente iguais ao original, colocando agora Alice de volta ao Mundo das Maravilhas 10 anos depois, sem que ela se lembre que já esteve lá. Dessa vez, Alice foge para seu encantado mundo durante uma festa vitoriana onde estava planejado dela ser pedida em casamento por um nobre bundão, então mais uma vez segue o peculiar coelho branco e acaba   caindo no mundo do impossível, onde as coisas estão mais estranhas que o normal, por assim dizer.

 

Quem conhece a história do livro, mesmo que seja pelo antigo desenho da Disney (eu), sabe que por trás de toda a “beleza” do lugar dos sonhos, há uma carga grotesca de excêntricidade obscura que faz gelar o sangue daqueles que se aprofundam mais na subjetividade do conto (eu). Então simplesmente encaixaram a luva na mão de Burton. Prestem atenção. Tim Burton é considerado um dos diretores mais darks e excêntricos do cinema atual, seus filmes passados mostram claramente isso, Edward Mãos de Tesoura fala por si só. Então nos vem a notícia de que ele, the motherfucker do cinema gótico, assumiria a direção de uma nova adaptação de Alice no País das Maravilhas e ainda teria no elenco Johnny Depp e Helena Bohan Carter (amante e esposa dele, respectivamente). O que acontece? Cria-se uma expectativa bem grande. Quando começaram a sair os postêrs, os fãs ficaram enlouquecidos, o visual prometia, e muito, aparentava traduzir a peculiaridade local com coisas psicodélicas, explorando cores fortes e chamativas, fazendo nossa curiosidade subir a graus inimagináveis. Todos estavam confiantes que deram o trabalho certo para o homem certo, o toque sombrio e estranho de Burton conseguiria passar com mais intensidade a mensagem do conto que o antigo desenho da Disney não conseguiu passar, obviamente por se tratar de um desenho, então os ânimos para estreia só aumentavam… Só que os fãs, tanto de Burton quanto de Alice, se esqueceram de uma coisa bem trágica: o filme é da DISNEY, e pelo lúdico nome “país das maravilhas” o longa ganhou proporções infantis, ou seja, não podia ter coisas que assustassem as criancinhas que queriam ver coelhos falantes e o chapaleiro dançando rebolation. Resultado: adeus Alice cheia de simbologismo e profunda, olá Alice Barbie “ousada” e ratinhos falantes mosqueteiros.

 

O filme não é de todo ruim, como eu disse, pode até ser qualificado como bom, porém não mais do que isso. Há momentos bem cansativos, e não nos é apresentado nenhum grande roteiro, até porque o filme acabou realmente se direcionando para o público infantil. O problema gira todo em torno do direcionamento do filme, nós esperávamos algo um pouco mais maduro, mas tudo que recebemos é um passeio num parque temático estranho e bobo. Mas enfim, vamos aos elogios. A parte estética é bonita, ótimos figurinos, o cenário enche os olhos, a trilha sonora é bem composta e temos leves momentos de boas atuações. Os efeitos especiais dão um tom certo para o Gato de Cheshire, uma boa surpresa para mim, pois manteve a sua astúcia e o jeito dele aparecer e desaparecer ficou bem legal. O elenco foi bem escolhido, não dava para ser outro. A desconhecida atriz que interpretou Alice estava bem posicionada, Depp estava incorporado como sempre e Bohan Carter poderia ter exagerado um pouco mais na dose de excêntricidade, mas estava bem. Agora vamos ver como eu (e muitos) queriam que o filme tivessem sido:

  • Gótico, já falei disso incontáveis vezes, o Tim Burtom é um cara gótico e devia agir como tal, Alice dava para se enquadrar perfeitamente numa aparência sombria, pois se pensarmos bem sonhos e pesadelos são as mesmas coisas, só dependem do ponto de vista.
  • O filme devia ser mais adulto, seria perfeito. O longa seria mais inteligente, não teria que se preocupar ao mostrar coisas assustadoramente bizarras e poderia usar e abusar de recursos linguísticos mais complicados de se entender, e assim, se tornaria uma obra prima de Burton (perdeu feio essa chance). E tipo, por mais que o nome “Alice No País das Maravilhas” remeta algo infantil dá para afastar as criancinhas, colocava um aviso nos trailers bem explicito do tipo: “não é um filme infantil, vão na sala ao lado que vai estar passando ’Como Treinar Seu Dragão’ “, e colocava também uma censura de 14 anos e pronto.
  • Ouso dizer que se fosse uma adaptação fiel do conto seria bem melhor, esse lance de “continuação da história dez anos depois com uma suposta amnésia que leva Alice a fazer quase as mesmas coisas sem perceber que já tinha feito” ficou bem tosco, mexeu com a lembrança de muitos, que ficaram indignados ao ver tanta diferença entre as versões, o que gera críticas desfavoráveis ao filme. Um filme com a Alice original (pequena) contribuiria surpreendentemente à uma história mais gótica e pertubadora, incitando mais a busca pelo desconhecido mundo dos sonhos.
  • Outra, o filme deveria focar mais na Alice, e não no Chapeleiro Maluco por motivos óbvios. Ok, Johnny Depp é foda, mas não é ele que faz a Alice do título, e na história original ele nem tem tanto destaque, então foi uma apelação do caramba para chamar o público.

 

Burton foi tomado pela cobiça e cegado pelo sucesso, optou por um filme comercial à um subversivo, preferiu ser reconhecido hoje à ser lembrado amanhã, e deu no que deu. É triste ver isso acontecer no cinema, mas Burton já estava se encaminhando para esse lado. Sua genialidade ainda é visível, mas não é explorada como deveria, o que é uma grande pena. Enfim, espero que essa “moda” não se espalhe entre os diretores, o cinema de verdade tem que continuar mesmo depois de Avatar e dos filmes em 3-D. O capitalismo já destruiu os homens, não podemos deixa-lo destruir a arte.

 

Recomendo o filme como algo interessante para se fazer com a família quando as outras opções de filmes forem muito ruins. É um filme que deve ser assistido sem grandes esperanças, assim talvez ele passe raspando num “ótimo”. Mas na boa, saudades dos filmes antigos do Burton onde os efeitos eram feitos de massinha em stop-motion, Beetlejuice que o diga…

Bem vindo a Disney! Aqui, todos nós somos malucos….por dinheiro!

2 comentários:

  1. Gostei da frase do final. Pura verdade.
    Mas falando sobre o filme, é legalzinho, mas só tambem.
    E, porra, esse filme é regado a drogas e mais drogas, conhecidas pelos homens e pelos macacos. Seguiu coelho branco e foi pro mundo da imaginação? Porra nenhuma. Misturou heroina com LSD e ficou viajando, por isso é branca daquele jeito. Prefiro as cenas de viajem nonsense nas dorgas do Trainspotting, rs;

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  2. Exatamente! Porra, a lagarta lá se afogando na fumaça do narguilé dela o tempo todo! O Carrol sem dúvida se baseiou no baseado que ele estava fumando na hora de escrever o livro.

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