Em 2008, quando Christopher Nolan lançou o seu sensacional Dark Knight, ele mostrou ao mundo que é possível fazer grandes blockbusters com conteúdo e inteligência, e mais ainda, mostrou que é capaz de dirigir um grande projeto com maestria, sendo assim conseguiu crédito para realizar talvez o seu mais ambicioso projeto: A Origem (Inception- vou me referir ao filme assim, prefiro), que chega comprovando que sim, é possível divertir com tramas inteligentes e complexas. Prepare-se para mudar várias de suas concepções.
Esse é mais um daqueles filmes cuja a trama é tão complexa que se eu escrever com as minhas próprias palavras ninguem entederá nada, então mandarei essa que eu vi num site que sintetiza bem a história sem contar spoillers ou coisas do gênero: “Dom Cobb (Leonardo DiCaprio) é um habilidoso ladrão, o melhor na perigosa arte da extração, o roubo de valiosos segredos das profundezas do subconsciente durante os sonhos das pessoas, quando a mente fica totalmente vulnerável. Essa rara habilidade de Cobb fez dele um cobiçado jogador nesse traiçoeiro novo mundo da espionagem corporativa, mas também fez dele um fugitivo internacional que perdeu tudo o que mais amava. Agora, uma chance de redenção foi oferecida a Cobb. Um último trabalho pode trazer sua vida normal de volta, mas somente se ele conseguir o impossível – inserção. Ao invés de fazer o roubo perfeito, Cobb e sua equipe de especialistas têm que fazer o oposto: a missão não é roubar uma ideia, mas sim plantar uma ideia. Se eles obtiverem sucesso, pode ser o crime perfeito. Mas nem mesmo um plano cuidadoso poderia prepará-los para um perigoso inimigo que parece prever cada movimento deles. Um inimigo que somente Cobb poderia prever.” Foda, não?
Com um roteiro bem fechado, reflexivo e intrigante, Inception nos envolve até o desolador final, que joga a gente no chão, perplexos com tudo aquilo que vimos. O filme nos desafia pensar mais a cada cena, exige de nós total atenção para acompanharmos essa incrível história que não nos dá tantas informações. Não é um filme extremamente difícil de entender, há vários outros que exigem mais da nossa massa cinzenta, mas para um blockbuster que quer encher as salas sem ser ignorante está perfeito. É realmente um grande trabalho criativo de Nolan, que deve ter suado para controlar toda a situação absurda que ele criou, não deve ter sido nada fácil controlar as ações de pessoas que estão num sonho, dentro de um sonho, dentro de outro sonho! É uma confusão deliciosa que se instala na sua mente, tentando juntar as imagens para enfim entender o que realmente está acontecendo. É ótimo ver um filme assim, um filme que busca uma atenção maior, e não simplesmente quer que a gente o veja parado. Ele quer que a gente participe, que junto com os personagens nós entremos na situação, de sonho para sonho, tentando completar a missão e resolver o grande mistério que se instala. Acho isso o melhor de tudo, é como se fosse uma outra dimensão que o filme nos propõe, uma dimensão interativa, uma dimensão inteligente que por ser tão envolvente nos joga pra dentro da situação do filme, o que, na boa, é bem mais interessante do que uma terceira dimensão digital avatar neon.
As atuações do filme, eu tenho que admitir, não são lá grandes coisas, não são ruins, mas nada muito destacável, como foi em Dark Knight onde tivemos uma das melhores atuações de todos os tempos graças ao grande Heath Ledger e seu fenômenal Coringa. Em Inception acho que foi mais um problema com os personagens do que com os atores em si, pois acho que faltou um pouco mais de tempero e até mesmo carisma. DiCaprio fez seu já famoso papel de “esquentadinho” como diria Osw, mas o faz bem pelo menos. Ellen Page, que é uma atriz encantadora, está meio apagada no longa, repito em dizer que acho é um problema com a personagem. Marion Cotillard está impressionante como sempre, seu papel é o melhor de todos por sua complexidade doentia e diferente, e acima de tudo misteriosa. Cillian Murphy interpreta bem um almofadinha que recebe uma grande herança, personagem que encaixa bem ao seu tipo físico. No elenco ainda temos Ken Watanabe, Joseph Gordon-Levitt, Michael Caine, Tom Berenger e Tom Hardy.
A estética do filme é surreal. A gente fica atordoado diante dos acontecimentos que ocorrem no filme. No campo dos sonhos muita coisa pode acontecer, sendo assim, o filme dá um show em efeitos especiais. Há uma cena em especial que eu creio que entrará para história assim como a esquivada das balas de Neo em Matrix, não falarei como é para não estragar a boa surpresa. É algo realmente inédito, ficamos boquiabertos com a cena. Mas em todos os aspectos visuais o filme arrebenta, é necessário muita habilidade para criar tantos mundos, de diferentes arquiteturas que saltam os olhos, palmas para a direção de arte e todos os envolvidos. Outro pessoal que merece palmas calorosas, são os responsáveis pela edição do longa, que fizeram um trabalho excepcional de imagens e sons cujo propósito principal era de nos confundir. Tudo que temos são imagens, o que aparece na tela pode ser parte do sonho, realidade ou uma lembrança, é aí que entramos com a nossa massa cinzenta e fazemos as devidas conexões, mantendo o suspense e o mistério do filme.
Embora Inception seja para mim até agora o melhor filme do ano, eu ainda esperava mais. Pelo grande barulho que estava fazendo antes de sua estréia, pelo mistério que rondava o longa com as sinopses com poucas informações e muitos segredos, pelo sucesso que fez nos EUA sendo muito bem criticado e avaliado, Inception gerou em mim uma grande expectativa, só não sei se isso foi bom. Vamos ver se vocês me entendem. Quando fui ver Dark Knight, eu fui com a galera depois da última prova do bimestre, eu não tava com tanta expectativa para o filme, fui ver como qualquer outro, fui ver como vi Salt, totalmente desarmado, just for fun. Chego lá, vejo a primeira cena. Meu coração acelera ao ver uma cena inicial tão foda quanto aquela. Vejo o Coringa. Mais exatamente, vejo a atuação soberba de Heath Ledger como Coringa. Minha cabeça explode aos 30 minutos do longa quando o Coringa simplesmente enfia um lápis na cabeça de um bandido num curioso truque de mágica. Quando chega na metade do filme, onde muitas cenas de ação dignas de clímax já aconteceram, eu percebo que ainda estavámos apenas na metade do filme, me animo, me animo muito. Quando chego ao verdadeiro clímax, e que clímax, estou pulando na cadeira de animação. A sensação que batia no meu peito era indescritível, sensação que diga-se de passagem ainda não senti de novo num filme. Vem a cena final, o Batman fugindo, Gordon narrando, e a excepcional trilha de Hans Zimmer ao fundo, pronuncia-se as últimas duas palavras: Dark Knight. Tela preta. Fim. Eu tenho um orgasmo. Pelo o que diziam de A Origem, eu esperava isso, ou ainda superior. Eu queria ter aquela sensação indescritível de novo, mas acho que para isso eu teria que estar desarmado. E acho que foi isso que não me fez ter aquela emoção toda, eu estava contando os dias para o momento, para o grande momento, e estava tão animado que não me contive com a obra prima que eu vi, eu queria mais. Mas em resumo, Inception é um filmaço, e eu não tenho dúvidas, se eu tivesse ido desarmado, teria a sensação, e quem for ver vai senti-la.
Há muitas comparações entre Inception e Matrix. Não só no seu esquema “blockbuster cabeça”, mas no seu tema, o mundo dos sonhos e etc. Realmente há semelhanças, mas acho que conseguimos diferir bem um do outro e não podemos acusar plágios ou coisas do gênero, cada um seguiu um caminho diferente a partir de uma ideia primitiva bem parecida, mas não igual. Matrix tem uma ideia mais global e revolucionária, fala de sistemas de controle de pensamentos, de opiniões, dá um tratamento diferente a concepção de sonho e realidade. Inception é mais fechado, o objetivo é totalmente diferente, as proporções são menores e não há nenhum grande sistema controlando aquilo tudo, há um grande mistério em torno de nós mesmos, de nós não sabermos realmente com total certeza o que é sonho e o que é realidade. A vertente da filosofia dos filmes em questão é mesma, mas os caminhos tomados são diferentes. Há mais semelhanças, mas se relaciona a parte física da história, o modo de como as pessoas entram no sonho é parecidíssimo, o lance do arquiteto, e muitas outras. Agora, sendo sincero, Matrix me impressionou mais do que Inception.
Se você for escolher um único filme para ver esse ano no cinema, o filme que você deve escolher é Inception, sem sombras de dúvida. Não é só um filme, é um evento cinematográfico. Assim como uma boa garrafa de vinho, daqui a algum tempo vão saber apreciar o longa melhor, muito ainda vai ser discutido sobre ele, grandes debates se formaram para tentarem compreender melhor essa obra prima contemporanea, exatamente como aconteceu com Blade Runner. Com certeza, Inception já entrou para a história do cinema! Não deixe de fazer parte dessa história e vá no cinema, mas mesmo depois de tudo que você leu aqui, vai desarmado, esvazie sua mente, o efeito será supremamente melhor, você sentirá algo impressionante, indescritível. Depois de ver o filme, você ficará abalado, até meio bobo (como aconteceu comigo), você perde o chão com o final, você começa a tentar rever todo o filme na sua cabeça e juntar os pedaços, e isso é sem dúvida a coisa mais legal que Inception nos proporciona. E assim como Blade Runner, tudo está nos detalhes. Bons sonhos…
Nenhum comentário:
Postar um comentário